domingo, 11 de dezembro de 2005

Questões Universais

As depressões soltam-se aos Domingos. Os sinais estão por toda a parte. Durante a longa história da Humanidade estripámo-nos para perceber a lógica destas coisas. Este estranho mecanismo que move aquilo a que chamamos "circunstância" e os comentadores de futebol chamam "conjuntura" escapa-me. Na televisão, mostram filmes onde animais falam com eloquência. Há mesmo um sobre as aventuras de três petizes-ninja num campo de férias. O estômago aperta-se-me, como se ontem devesse ter bebido mais do que realmente bebi. Tudo se move de forma pastosa, o som deixa rasto. É um buraco negro dominical, um útero plácido e tépido onde a vontade mirra e riso desaparece. Passo de ontem para hoje: aos Domingos existo por osmose.
Mas depois tomo banho e...

sábado, 10 de dezembro de 2005

O Verso Ressabiado

"I´d rather live in a trash can
Than see you happy with another man (...)"

in K-Hole, Silver Jews (album Tanglewood Numbers)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

Anita vai a Cabul

Com um solavanco, o C-130 aterra na pista do aeroporto de Cabul. No seu interior, encontra-se um grupo de militares que integrará a força portuguesa no Afeganistão. Anita, técnica de comunicações do exército, é um dos soldados que sente o torpor da chegada enquanto observa pela vigia a realidade fria e poeirenta que a espera.
À saída do avião cumprem-se formalidades próprias do exército, gestos semelhantes ao render da guarda, e tal. Os mecanismos cerebrais de Anita, ainda animados de uma inércia comum nestas ocasiões, não dão conta da longínqua distância que a separa de um mundo que é o seu. O Satão, as vindimas e o namorado ficaram lá longe, noutro planeta.
Sempre fora dada a assuntos de homem - coisa, que, aliás, se depreendia do arcaboiço imponente da rapariga. Na sua aldeia natal, nunca se furtara a tarefa de sacho, manobras de trator, ou concursos de carregar fardos. O seu andar pesado acentuava uma masculinidade que se adivinhava, latente. Não passariam muitos dias para que, à porta da caserna e recebendo na face o vento cortante das montanhas em redor de Cabul, deixasse escapar uma lágrima dos olhos enormes. Por tudo e por nada.
Um dia desfilará, de arma a tiracolo, pelas ruas poeirentas da capital afegã, ladeadas por casas miseráveis de adobe e chapas de zinco. Os afegãos, pouco habituados a ver mulheres sem a face tapada, fixarão os olhos nas suas calças camufladas. Para espanto de Anita, os homens não terão receio de encará-la frontalmente, olhos nos olhos, quando forem interpelados. Ao fim de algumas horas a receber olhares que atingem como tiros, perguntará ao primeiro afegão que insistir em fitá-la: "- Estás a olhar, ó filha da puta?"