domingo, 26 de novembro de 2006

Strøget


Depois de uma hora de caminhada ao longo da rua Strøget, senti os nervos tremerem de mansinho como larvas impacientes para sair do casulo. Voltar para trás estava fora de questao! Chegar ao fim da rua tornara-se o eixo da minha casmurrice, uma absurda aposta que fazia com a minha própria vontade. As pessoas que comigo se cruzavam mostravam a mesma decisao fanática chispando nos olhos; sobretudo as que passavam em sentido contrário. Por toda a parte se viam pequenas nuvens de exalaçoes ofegantes, como se cada homem, cada mulher e criança fossem impetuosas locomotivas orgânicas.
Ficava mais e mais cansado, as botas pesando como chumbo. Foi por esta altura que comecei a reparar nas pessoas que caiam inanimadas, vencidas pelo esforço desumano da caminhada, maxilares descaídos como cavalos de corrida em fim de prova. Nada disso penetrava a minha insane inércia de chegar ao fim e transpor o limiar da Strøget.
Pressa,
Espasmo,
Animal,
Espuma. O Sol é azeite na ressaca das ondas de espraio, tranquilas, que lambem o talude da praia no entardecer de fim de Verao. Espreguiço-me e vou para casa fazer um refogado.

sábado, 11 de novembro de 2006

Closing time

Tempo de fechar. Os empregados do bar lançam-me olhares impacientes cada vez que passam junto da minha mesa, absortos na azáfama do encerramento do estaminé. Decido abusar da sua benevolência. Sempre fui assim.
Num movimento, que pode ter demorado o tempo que leva a destruir um império, viro a cabeça e encaro a vasta janela de vidro que me separa da estranha realidade nocturna de uma cidade semi-adormecida. A água da chuva escorrendo na superfície lisa do vidro deforma a parca luz vinda de fora e, como se brincando às divindades, cria um novo mundo de formas ondulantes. Tal como o fumo que sai do meu cigarro, acabo de ver passar um casal de apaixonados transformado num excêntrico par de serpentes vestidas para um Inverno húmido. Os poucos carros que rodam pela avenida deixam atrás de si um cortejo de faixas encarnadas, laranjas e amarelas. Nao deixam de ser tristes na sua solidao festiva, como uma criança tentando festejar o seu aniversário sem convivas.
Mas que raio estou para aqui a dizer? É só uma noite fria, e um idiota divagando num bar é um empecilho para gente trabalhadora (sim...calma, já vou sair) que quer limpar a mesa e seguir para casa, onde uma cama mortificante aguarda o corpo aborrecido de cada dia.
Talvez só mais uma... para o caminho... ? Nao? Merda.... e que frio faz lá fora!

terça-feira, 7 de novembro de 2006

Um ano, um blog


"Boas entradas!

Não sendo um ávido leitor de belogues, decidi criar um, numa noite em que toureio a insónia. Este é um pequeno espaço onde se pretende expôr pequenos textos que sigam a disposição espiritual do autor. Os filmes, os livros, fragmentos de cada dia, relatos de opíparas refeições, recomendações da vida conjugal, segredos da bricolage e outras pequenas delícias de cada dia, constarão neste ciber-local. Quem não gostar, que o diga, ou melhor, escreva. Quem se sentir irritado, que insulte, pragueje. Força. Até porque não creio que alguma vez este canto seja lido por alguém que não seja familiar ou amigo. Um grande bem haja para todos os belogueres!!!!!"


Há um ano, seguindo um impulso para o qual nao (teclado espanhol...) encontro explicaçao, decidi criar um blog que deu vazao a alguma vontade literária que a espaços me assalta. Olhando para trás no tempo e contemplando os textos aqui publicados, chego à conclusao que o vazio inicial que presidiu à fundaçao do blog se foi transmutando numa tentativa de criaçao artística, num projecto compilativo de textos. A essência desse projecto foi assumindo contornos cada vez mais pessoais, persistindo sobre a ausência de comentários e de publicidade noutros espaços semelhantes. Pela minha parte, nao farei qualquer alteraçao ao estilo e conteúdo d'O Desgraçador, tendo em vista a recolha de comentários bajuladores em grandes quantidades.

O futuro deste espaço é certo e está traçado na sua origem: o fim. Nao obstante os determinismos que nos impoem as realidades finitas das nossas existências, posso garantir que continuarei a escrever aqui quando e enquanto me aprouver. Este permanecerá o espaço da minha tirania intelectual, o reino onde a minha palavra é soberana. O auge desta saborosa ditadura pessoal será o momento em que darei por finda a vida deste blog, afirmaçao completa de uma alegre independência mental. Prometo, até que chegue a altura de fechar as portas, continuar a escrever com irregularidade e despudor.

Um abraço, Luís