Nasci numa cidade da província, que deixei ainda muito petiz. Nao sendo propriamente um pardieiro no fim do mundo, ainda hoje é um lugar relativamente pouco acessível, pelo menos na óptica do moderno conceito de "acessibilidade", já que a auto-estrada ainda nao lá chegou (está para breve). Creio que este é um dos exemplos do Portugal rural à antiga, que na minha imaginaçao desperta imagens de intermináveis estradas nacionais que passam pela Venda das Raparigas, conjecturas pueris sobre o tamanho de Lisboa, travessias de serras agrestes ao sabor de excêntricas curvas que desafiavam muito passageiro ao vómito, ou ainda a praia, o mar azul longínquo no seu exotismo estival. E outras coisas mais que me vêm à cabeça, desordenadas, em catadupa. Muitas delas sao também reféns da infância.
Saí da terra muito pequeno, como já disse, com apenas 7 anos, voltando para passar férias. Com o passar do tempo, e apesar das acrobáticas piruetas da vida, o afecto pela minha cidade natal nao sofre qualquer alteraçao. A mesma intensidade se mantém, a mesma cor genuina do carinho infantil. Talvez se possa dizer que o que amo é, na realidade, a memória de uma cidade. É possível. Felizmente, o isolamento a que está votada fez com que se mantivesse, no que ao meu afecto importa, praticamente na mesma, resultando numa feliz coincidência entre memória e realidade. Desde que fui estudar para a faculdade que deixei de lá ir com a regularidade das pausas para férias, mas isso é por causa de filhas-da-putices familiares às quais, ainda por cima, sou alheio. Quero sempre lá ir e gosto sempre de lá estar. As recordaçoes do cheiro das ruas, das tonalidades da luz reflectida pelo granito, da serra enquadrada pela janela do quarto da minha mae, do vermelho da cadeira da ourivesaria do meu tio, dos salgueiros acotovelando-se na margem do rio, dos arcos da ponte romana; fazem parte do pensamento que tenho quando penso em mim.