domingo, 17 de setembro de 2006

Iceberg




É-me difícil e penoso relembrar todos os acontecimentos. Posso assegurar que estava deitado na minha cama, absorvido pelos sofrimentos do jovem Werther, quando reparei na ponta branca que despontava do meu saco de viagem verde, colocado no armário semi-aberto. Absorto e estupefacto, mantive-me imobilizado durante largos minutos, com os braços hirtos segurando o livro aberto na mesma página. Verificava que a ponta subia e exibia mais superfície branca, numa cadência semelhante à subida do sol nascente no horizonte. Era agora notório que a sua superfície era facetada, como um cristal prismático, com ângulos constantes entre as faces. Quando esse obelisco cristalino, de um branco gélido, já excedia a altura de um homem, sentei-me na cama, depositando lentamente o livro no regaço, sem deixar de avistar com aguda obsessão o gelo que conquistava o armário. Não guardo na memória como me levantei e me acerquei da porta entreaberta do armário, mas aflora-me a ideia de um frio imobilizador, um aroma a pinheiro e bacalhau. O certo é que o gelo se propagou com rapidez pelas paredes. Através da janela, ainda virgem de água sólida, sumia-se cada vez mais distante, uma Espanha surreal. Depois, nada. Azul, branco, cinzento, homogeneidade, linhas paralelas. Espelhos. Milhares de espelhos reflectindo milhares de nadas cristalinos. Feito de gelo, assolado por cavidades de pontes de hidrogénio, vi-me transformado no Iceberg da Fraternidade.

sexta-feira, 1 de setembro de 2006

O Hotel do Amor Animal

Eis uma fracção de um poema-canção de David Berman, sobre um encontro infeliz com a prática do bestialismo na pátria da democracia, "home of the brave", terra de oportunidade, etc.


Goshen, séc. XIX

"(...)the passage kept on going like the carpet was flowing
towards that thing at the end of the hall.
my own eyes had adjusted.
my account can be trusted,
cause I know that I saw what I saw.

I heard animal noises and tangled up voices
chanting more and of rumors of more.
there's no natural law that can explain what I saw
spread out on that straw-covered floor.

now I've put an ocean between myself and Goshen
to get away from the Farmer's Hotel.
things so unclean, are better left unseen.
keep away from the Farmer's Hotel.

the lights went out in Goshen, just like poetry in motion,
and I checked into the Farmer's Hotel.
so if you get a notion to travel to Goshen,
please stay away from the Farmer's Hotel."

in Farmer's Hotel, álbum Tanglewood Numbers, Silver Jews