sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

No banco de trás


É mais ou menos consensual que o rock n' roll não passa de um ciclo no qual se regurgitam (ou reciclam) tendências. É do senso comum que a globalização trouxe uma maior agressividade comercial das editoras deste género musical, vomitando discos a uma velocidade estonteante, resultando num decréscimo impressionante da qualidade dos discos e no desaparecimento de tudo o que realmente represente criação inédita, já que a novidade implica quase sempre um elevado risco económico. Assim, vamos andando de re-moda em re-moda. Agora estamos no ressurgir do pós-punk e eu bocejo com bandas que são pastiches dos The Jam, Gang of Four (que andam por aí outra vez), Clash, Stranglers, etc...



Tirando os Arcade Fire. Como diria o Adolfo, esses são uma lufada de brisa imaculada nesta latrina mal arejada. Agradeço a Deus pelo Funeral, único disco que ficará para a posteridade do Pop Rock, desde o Nevermind até agora. Para mim, escrever sobre música é tarefa difícil. Assim, não me vou por aqui a dissertar sobre essa obra-prima dos Arcade Fire, já que muita tinta tem corrido sobre eles. Deixo apenas uma curiosa nota : antes de sair o Funeral, saiu numa revista d' O Público uma crítica impressionante ao disco. Nota conferida 7/10. Aqui está a prova de se presenciar o momento histórico de uma inovação artística. O texto esquadrinhava o albúm com a paixão de alguém que se encontra estarrecido, música a música. No entanto, algo nele afrontava os galões do crítico, decerto habituado a ter as coisas bastante simplificadas nestes temas. Desta vez era diferente; não conseguia aplicar as chavões habituais, havia uma insubmissão estilística que escapava ao crivo da crítica. Desta vez, os putos, pedantes, criavam de forma independente, virando para meio mundo o cu ao léu.



Meses depois a crítica oscilava entre 9/10 e 10/10.




quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Epílogo de uma viagem


Não devia fazer isto, mas meu irmão André Pinto (célebre por ser a minha imagem moldada em sentatez e contenção de espírito), deixou de forma incauta o seu velho diário de viagem abandonado em cima da mesa da sala de jantar. Li-o com avidez rapace. O que mais de surpreendente contém, é o último parágrafo no qual se lê uma comoção genuína, típica das grandes despedidas, nascidas de corações melosos, mas nada própria do meu gélido irmão. Ei-lo.
"Há ainda a incerteza de voltar a fazer semelhante viagem de comboio por outras paragens. Incerteza justa e quase fundada, não fosse a necessidade de ver e conhecer que me assalta sempre que recebo notícias de países distantes, onde outros fados se cantam. Vencendo essa fraca inércia do espírito, a viagem ainda será longa. Páro aqui por algum tempo para viver e descansar."

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Viajar de comboio



"Otro Viaje

Ya en los campos de Jaén,
amanece. Corre el tren
por sus brillantes rieles,
devorando matorrales,
alcaceles,
terraplenes, pedregales,
olivares, caseríos,
praderas y cardizales,
montes y valles sombríos.
Tras la turba ventanilla,
pasa la devanera
del campo de primavera.
La luz en el techo brilla
de mi vagón de tercera.
Entre nubarrones blancos,
oro y grana,
la niebla de la mañana
huyendo por los barrancos.
¡Este insomne sueño mio!
¡Este frío
de un amanecer en vela!...
Resonante,
jadeante,
marcha el tren. El campo vuela.
Enfrente de mí, un señor
sobre su manta dormido;
un fraile y un cazador
-el perro a sus pies tendido-.
Yo contemplo mi equipaje,
mi viejo saco de cuero;
y recuerdo otro viaje
hacia las tierras del Duero.
Otro viaje de ayer
por la tierra castellana
-¡ pinos del amanecer
entre Almazán y Quintana!-
¡Y alegría
de un viajar en compañia!
¡Y la unión
que ha roto la muerte un día!
¡Mano fría
que aprietas mi corazón!
Tren, camina, silba, humea,
acarrea
tu ejército de vagones,
ajetrea
maletas y corazones.
Soledad,
sequedad.
Tan pobre me estoy quedando
que ya ni siquiera estoy
conmigo, ni sé si voy
conmigo a solas viajando."


Antonio Machado, Campos de Castilla